terça-feira, 12 de julho de 2016

A POLÊMICA DA COBERTURA ESPIRITUAL




Existe cobertura espiritual de um líder sobre a igreja ou da igreja sobre os membros? A bíblia não diz isso. Certamente, existe certo nível de ajuda mútua, como ocorre na família, mas precisamos compreender os limites deste conceito. Por mais hábil e ungido que seja um líder, ele não poderá evitar que alguém colha o que plantou.  
Haveria algum tipo de proteção de um líder sobre os liderados contra as forças de Satanás? Não exatamente. Eu posso expulsar os demônios de uma pessoa, mas não posso impedir que eles voltem, pois isto se resolve pelas atitudes e decisões do indivíduo. Jesus disse que o espírito mau volta. Ele não desiste facilmente. Voltando, pode encontrar a casa vazia e adornada. Uma casa bonita, ou seja, uma vida reformada pelo evangelho, pode nos deixar satisfeitos, mas o risco espiritual será grande, se não nos enchermos da palavra de Deus (Col.3.16) e do seu Espírito (Ef.5.18; Mt.12.43-45). É a presença do Espírito Santo que impede a entrada dos espíritos imundos (1Sm.16.14).
Se Paulo temia que o Diabo enganasse a igreja, isso indica que ele não era a cobertura espiritual dos coríntios (2Co.11.3), a não ser que consideremos este alerta como desempenho do seu limitado papel protetor.
No capítulo que começa falando sobre os pastores e o rebanho, Pedro não se declarou “cobertura espiritual” da igreja, mas alertou: “Sede sóbrios; vigiai; porque o diabo, vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar; Ao qual resisti firmes na fé, sabendo que as mesmas aflições se cumprem entre os vossos irmãos no mundo” (1Pd.5.8-9). No rebanho de Deus, os pastores cuidam, mas as ovelhas devem resistir ao leão. Tiago, da mesma forma, escreveu: “Sujeitai-vos, pois, a Deus, resisti ao Diabo e ele fugirá de vós” (Tg.4.7).
O que existe é a “armadura de Deus” (Ef.6.11-18) que são virtudes e atitudes que todo cristão deve ter para ficar firme contra as astutas ciladas do inimigo. Nenhum guarda-chuva substitui a armadura. Numa guerra, comandantes e soldados protegem-se uns aos outros na medida do possível, mas nada substitui o equipamento individual nem evita o confronto e o risco. 
A bíblia ensina sobre autoridade e submissão e não vamos abrir mão destes princípios, mas o papel do líder é ajudar o liderado a andar com Deus e não se colocar como uma espécie de guru e dominador sob o pretexto da proteção.
Se pudermos, figuradamente, falar sobre cobertura espiritual, que seja o sangue de Jesus sobre nós e não homens. Alguns líderes ensinam assim: "Se você sair desta congregação, o Capeta vai te pegar, porque você vai ficar sem cobertura espiritual". Devemos congregar, mas, se não vivermos em santificação, não tem liderança que nos livre das garras do mal.
Jó fazia sacrifícios pelos pecados dos filhos, mas veio Satanás e os matou. A intercessão existe, mas ela não é algum tipo de blindagem nem garante imunidade, mesmo porque a oração é dirigida a Deus e não ao Diabo. E se essa súplica for considerada "cobertura espiritual" não será atribuição exclusiva do líder, pois a bíblia nos manda orar uns pelos outros, inclusive pelos pastores. Certamente, todos nós precisamos de uma liderança que nos ajude e ensine, mas não podemos dar ao líder um status espiritual que a bíblia não lhe atribui.
O assunto da cobertura é importante no contexto da espiritualidade, mas precisamos tomar cuidado com as distorções que o mesmo pode sofrer. Voltemos ao princípio, ao Jardim do Éden. Por que a serpente teve acesso a Eva? Será que Adão falhou em sua missão de protegê-la? Não. Nem Eva teve essa "brilhante ideia" de acusar Adão. Ele não era o "sacerdote do lar", mesmo porque isso não existe. Eva tinha sua própria responsabilidade espiritual e deveria ter resistido à tentação.
Depois do pecado, o casal viu que estava nu. O homem sentiu-se exposto, desprotegido, vulnerável e envergonhado. Surgiu então a necessidade de uma cobertura. Coseram folhas de figueira e fizeram para si aventais. Depois, o próprio Deus lhes ofereceu uma proteção mais adequada: roupas de pele, que podemos comparar à cobertura espiritual que encontramos no Cordeiro de Deus. Adão jamais serviria como cobertura espiritual para Eva. Ele não poderia ser o salvador da sua família, pois somente a “semente da mulher” poderia esmagar a cabeça da serpente.
“Rejeitemos, pois, as obras das trevas, e vistamo-nos das armas da luz. Andemos honestamente, como de dia; não em glutonarias, nem em bebedeiras, nem em desonestidades, nem em dissoluções, nem em contendas e inveja. Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo, e não tenhais cuidado da carne em suas concupiscências” (Rm.13.12-14).
A humanidade sente os efeitos do pecado, inclusive a vergonha que ele traz, e procura coberturas para si. São máscaras, disfarces que não cobrem o pecado, mas encobrem parcialmente. Como se diz, “é tentar tapar o sol com a peneira”.
“O que encobre as suas transgressões nunca prosperará, mas o que as confessa e deixa, alcançará misericórdia” (Pv.28.13).
 “Bem-aventurado aquele cuja transgressão é perdoada, e cujo pecado é coberto” (Sal.32.1).
Outra situação que nos lembra a cobertura está em Êxodo 12. Havia uma terrível ameaça sobre o Egito: o anjo da morte mataria os primogênitos na noite do dia 14 de abibe. Os israelitas, porém, seriam protegidos pelo sangue do cordeiro passado sobre a porta. Ninguém poderia sair de casa naquela noite, mas a casa seria a “cobertura espiritual”? Não. Nem a casa, nem as paredes, nem a porta, nem o dono da casa, o pai de família, nem Moisés, nada disso. Os egípcios também possuíam casas. O que eles não tinham era o sangue do cordeiro.
Não posso negar que qualquer telhado seja uma cobertura, mas, ainda que fosse uma laje, não tomaria o lugar do sangue nem teria eficácia contra o anjo da morte. Creio que este ponto nos dá a visão equilibrada sobre o papel do líder.
No deserto, Israel foi coberto por uma nuvem que, à noite, se transformava numa coluna de fogo. Contudo, o pecado fez com que milhares deles fossem exterminados pelo destruidor (1Co.10.1-10).  
Se Moisés voltasse ao mundo hoje, seria mais valorizado do que o Papa, mas ele nunca foi a cobertura de Israel. Ninguém pode tomar para si a honra do Cordeiro de Deus. Ele é a nossa cobertura espiritual.
Certamente, o papel de Moisés foi fundamental no sentido de ensinar a Israel como se refugiar em Deus. Este é o papel dos líderes da igreja hoje também.
O salmista declarou ao Senhor: "Tu és o lugar em que me escondo; tu me preservas da angústia; tu me cinges de alegres cantos de livramento" (Salmo 32.7). 
"Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente na angústia" (Salmo 46.1).
"Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Onipotente descansará"(Salmo 91.1).
"Mil cairão ao teu lado, dez mil à tua direita, mas tu não serás atingido" (Salmo 91.7).
"O Senhor é quem te guarda... Guardará a tua alma. Guardará a tua entrada e a tua saída, desde agora e para sempre" (Salmo 121).
Igreja não é seguradora para nos oferecer cobertura.
É tempo de desaprender o que a bíblia não diz.


Pr. Anísio Renato de Andrade

quarta-feira, 6 de julho de 2016

BETEL E PENIEL – DOIS ENCONTROS COM DEUS




Estes nomes bíblicos, em seu contexto original, não se referem a igrejas, mas eram cidades de Israel, localizadas onde Jacó teve encontros marcantes com o Senhor (Gn.28.10-22; Gn.32.22-30).
Apesar das semelhanças, é grande o contraste entre aquelas experiências. Betel significa “casa de Deus”. Peniel significa “face de Deus”. Estes dois sentidos nos mostram o maior impacto do segundo encontro, apesar da importância indiscutível do primeiro.
O encontro em Betel ocorreu quando Jacó fugia de Esaú, indo para Harã. Naquela noite, Jacó dormiu, tendo uma pedra por travesseiro, e sonhou com uma escada entre o céu e a terra, por onde os anjos subiam e desciam. Acima dela, estava Deus.
O encontro em Peniel aconteceu quando Jacó voltava para encontrar-se com Esaú. A expectativa era de um acerto de contas, com grave risco à vida de suas mulheres e seus filhos. O desafio era tão grande, que Jacó não conseguiu dormir naquela noite, mas lutou com um homem que, de acordo com o texto, era o próprio Deus em manifestação visível (teofania) (Gn.32.30). A situação era de máxima urgência. O perigo iminente não permitiria um agendamento futuro para a busca ao Senhor.
Em Betel, o encontro aconteceu por iniciativa de Deus que, por amor a Jacó, manifestou-se a ele. Naquele tempo, o jovem Jacó não possuía coisa alguma, mas queria ganhar.
No segundo encontro, Jacó tomou a iniciativa de agarrar o “anjo”. Agora, tendo numerosa família e servas e bens, estava apavorado diante da possibilidade de perder tudo.
Na primeira experiência, Jacó queria coisas naturais, principalmente pão, roupa e segurança na viagem.
Na segunda, queria uma bênção superior, bem expressa na frase “tenho visto a Deus face a face e a minha alma foi salva”.
Em Betel, Jacó era um expectador da atividade angelical, como ocorreu também em Maanaim (Gn.32.1-2), mas, em Peniel, ele se torna um protagonista da cena, segurando com determinação aquele varão misterioso.
Betel é sonho. Peniel é luta.
Betel é o contato indireto, distante, uma apresentação inicial do “Deus de Abraão e de Isaque”.
Peniel é a “colisão transformadora” entre Jacó e Deus. Jacó torna-se Israel, o “príncipe de Deus”. Além disso, o Senhor passou a se apresentar como o “Deus de Jacó” (Ex.3.6).
Entre os dois encontros, houve um intervalo de 20 anos (Gn.31.38). Naquele tempo, Jacó dedicou-se ao trabalho e à família, mas não ao Senhor. Contudo, Deus permite desafios que despertam o homem. Jacó precisava voltar a Canaã e encarar Esaú. Quando se aproximava, recebeu a notícia assustadora de que o irmão vinha ao seu encontro com 400 homens. Em todo o tempo, Deus havia cuidado de Jacó. O Senhor tinha um plano para ele e não havia desistido daquele que seria um dos principais patriarcas de Israel.
Contudo, Jacó precisava de uma experiência sobrenatural com Deus. Ele havia recebido a bênção de Isaque, mas carecia de receber a bênção diretamente de Deus. Para tanto, mandou a família prosseguir viagem diante dele e ficou sozinho para buscar ao Senhor. Todos nós precisamos de uma busca espiritual pessoal, particular e intensa (Mt.6.6). Nosso relacionamento com Deus não é um show. No fim das contas, o desafio é entre você e Deus. Apesar de podermos orar uns pelos outros, não é possível terceirizar nossa espiritualidade. Jacó precisou lutar pessoalmente com Deus.
Além de sua própria vida correr risco naquele momento, muitas pessoas dependiam dele. Viajando um pouco à frente estavam suas mulheres e seus filhos. Não era uma família qualquer. Ali estavam 11 futuros patriarcas de Israel, embora ainda não soubessem disso. Dentre os 20 anos passados na casa de Labão, 7 foram de serviço anterior ao casamento. Nos 13 anos seguintes, Jacó teve 11 filhos com suas 4 mulheres, que competiam entre si para ver quem lhe dava mais descendentes. Portanto, naquele dia em Peniel, os filhos de Jacó eram crianças, estando o mais velho com 12 ou 13 anos. Isso nos permite perceber um pouco o peso da responsabilidade e a angústia daquele pai, mas não era só isso.
Ali estavam Rúben, Simeão, Gade, Aser, Zebulom, Naftali, Dã, Issacar, Levi, José e Judá. Jacó não morreria naquele caminho. Esaú não poderia matá-lo, pois o plano de Deus ainda não estava concluído. Benjamim ainda não havia nascido.
A muitos de nós, a Palavra está dizendo: O plano de Deus ainda não se concretizou. Faremos muito mais do que imaginamos.
Jacó não morreria enquanto Benjamim não nascesse. Os 11 filhos ainda não haviam crescido, mas eles haveriam de ter filhos que o próprio Jacó conheceria.
A situação pode ser terrível, mas, para quem tem promessas de Deus, ainda não é o fim. O futuro será bem maior e melhor do que o passado, por mais importante que tenha sido, mas precisamos tomar atitudes certas no tempo certo.
A responsabilidade de Jacó era imensa. Por exemplo, entre as crianças daquela família estava Levi, de cuja descendência viriam os sacerdotes de Israel. Ali estava “Zezinho do Egito”, o mais novo, talvez ainda no colo, mas que seria responsável pela preservação da vida de milhares de pessoas no tempo da fome. Ali estava o garoto Judá, de cuja linhagem viriam os reis de Israel e principalmente o Rei dos reis, Jesus Cristo.
Hoje sabemos muitas coisas que Jacó não sabia, mas o certo é que a sua responsabilidade era muito grande. Jacó não podia desanimar, desistir nem fracassar. Precisava lutar. Dele dependiam muitas pessoas, inclusive nós, que um dia seríamos alcançados pelo evangelho. Como Deus disse em Betel: “Em ti e na tua descendência serão benditas todas as famílias da terra” (Gn.28.14).
Todo servo de Deus deve investir em sua vida espiritual, sabendo que dela dependem muitos outros.
No primeiro encontro com Deus, Jacó ficou tão impressionado, que mudou o nome da cidade, que se chamava “Luz”, palavra hebraica que significa “amendoeira” e não tem relação alguma com a “luz” do nosso idioma. Como se diz, “qualquer semelhança é mera coincidência” e não deve ser usada como pretexto para divagações relacionadas a uma pretensa “iluminação”.
Naquela ocasião, Jacó mudou o nome do lugar para Betel, mas ele mesmo não foi mudado. Gostamos de fazer mudanças no ambiente, alterações exteriores, mudar placas e rótulos, trocar o nome das coisas, inclusive dos pecados, mas o que Deus quer é uma mudança do nosso caráter.
A experiência de Betel foi maravilhosa, mas insuficiente. Será que vivemos satisfeitos com nossas antigas experiências com Deus? Elas são importantes, mas precisamos avançar. O Senhor tem muito mais para nós. Não sejamos vencidos pelo comodismo nem pela inércia.
Muitos anos antes, quando Jacó apresentou-se a Isaque para receber a bênção da primogenitura, disse ao pai: “Eu sou Esaú”, mas, em Peniel precisou confessar “Eu sou Jacó”, nome que significa “enganador”. Precisamos clamar ao Senhor por uma nova experiência com ele, uma renovação da nossa fé e compromisso, mas a confissão é uma parte importante desse processo. Confessemos a Deus os nossos pecados e as falhas do nosso caráter, clamando ao Senhor que nos transforme.
Então, disse Deus: “Não chamarás mais Jacó, mas Israel, porque como príncipe lutaste com Deus e com os homens e prevaleceste” (Gn.32.28).
A mudança do nome de Jacó simboliza a transformação do seu caráter. Encontros com Deus envolvem mudanças necessárias, profundas e definitivas. Em Betel, Jacó foi abençoado, mas em Peniel, ele foi transformado.
É tempo de buscar ao Senhor como Jacó, que passou toda a noite em luta com Deus, dizendo “Não te deixarei, enquanto não me abençoares”. Orações rotineiras e rápidas não constituem grande investimento espiritual. Enquanto nossa busca não for uma luta, não teremos maiores resultados.
“Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós. Alimpai as mãos, pecadores; e vós de duplo ânimo purificai os corações. Senti as vossas misérias, e lamentai e chorai; converta-se o vosso riso em pranto, e o vosso gozo em tristeza. Humilhai-vos perante o Senhor, e ele vos exaltará” (Tg.4.8-10).
Jacó tinha muitos bens e uma família numerosa, mas buscava uma bênção superior. Ele não precisava receber coisas, mas um toque de Deus. Naquela noite, ele foi tocado e marcado pelo Senhor. Jacó foi mudado e nunca mais enganou alguém. Pelo contrário, tornou-se um profeta de Deus, sendo dele a primeira profecia sobre o leão da tribo de Judá (Gn.49.9).
Pr. Anísio Renato de Andrade

A ORAÇÃO, SUA EFICÁCIA E SEUS LIMITES




Um dos momentos mais marcantes da infância é quando a criança começa a falar. As primeiras palavras são celebradas pelos pais, mesmo que não sejam pronunciadas com perfeição. A capacidade de se comunicar é o que importa. A partir daí, o vocabulário aumenta rapidamente e chega um dia em que a criança fala até dormindo. Com poucos anos de vida, já é preciso controlar os pequenos falantes: “Não fale de boca cheia”; “Não converse com estranhos”; “Desligue esse telefone”.  Depois de aprender a falar, a criança precisa aprender a evitar determinadas palavras; aprender o modo de falar, a hora certa, o tom de voz e o momento de calar. Bem, são objetivos para a vida toda.

Da mesma forma, os filhos de Deus precisam aprender a falar com o Pai por meio da oração. A bíblia nos mandar orar sem cessar (1Tss.5.17), mas a oração deve ser pautada por uma série de parâmetros que a tornam boa e eficaz. Além de orar, precisamos saber a quem orar, por quem, por quê, para quê, como, quando e onde.

Ore todos os dias. Fale com Deus e não com os ídolos, santos, guias, espíritos, demônios, anjos, fadas ou duendes. A oração bíblica tem um alvo certo: o Pai celestial (Mt.6.9).
Certa vez, os discípulos disseram a Jesus: “Ensina-nos a orar” (Lc.11.1).  Logo, a oração deve ser aprendida. Não me refiro a aprender uma oração que alguém compôs, mas à necessidade de cada pessoa aprender a formular suas próprias orações. Petições erradas são indeferidas. “Pedis e não recebeis porque pedis mal” (Tg.4.3). Aprenda a orar. A oração não pode ser um falatório vão, uma espécie de verborragia inútil.

Antes de falar, o bebê passa meses ouvindo. Quem não ouve não fala. Quem ouve mal fala mal. Nosso trato com a bíblia, a palavra de Deus, definirá a qualidade das nossas orações.
“O que desvia os ouvidos de ouvir a lei, até a sua oração será abominável" (Pv.28:9).

Podemos aprender com tantas preces registradas nas Escrituras, especialmente nos Salmos, mas, além disso, todo o conteúdo bíblico servirá como base das nossas orações, inclusive mostrando o que não devemos dizer perante Deus: murmurações, acusações, votos impensados e “determinações” (como se pudéssemos ordenar a ação divina), etc.

Tudo começa pela motivação correta. Não sejamos como os fariseus, que faziam da oração uma forma de exibição de sua pretensa espiritualidade (Mt.6.5-13). Não seria de se esperar que obtivessem alguma resposta do céu.

Precisamos saber que a oração é um ingrediente, um componente importante em nossa espiritualidade, mas não o único. É como uma engrenagem que, sozinha, não constitui um motor.  Está escrito:

“E se o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar, e orar, e buscar a minha face e se converter dos seus maus caminhos, então eu ouvirei dos céus, e perdoarei os seus pecados, e sararei a sua terra” (2Cr.7.14).

A oração é importante, mas não é tudo, assim como um relacionamento é mais do que a comunicação. Devemos observar no versículo citado as seis ocorrências da conjunção aditiva “e” que indica a “soma” dos vários elementos da frase para se chegar a um resultado. O povo de Deus precisa “se humilhar e orar e buscar e se converter”. Temos a tendência de colocar o foco em uma coisa e desprezar as outras, mas, nesse contexto, todas são importantes.
Em alguns momentos, a auto-humilhação tem o seu lugar, por exemplo, quando precisamos reconhecer nossos pecados, confessar e pedir perdão. Sem isso, não avançaremos em nossa espiritualidade. A oração sem humildade é apenas um discurso arrogante e inútil (Lc.18.10-14).

Precisamos orar e buscar a face de Deus. Orar e buscar não são sinônimos. A busca inclui a oração, mas é uma palavra que envolve muito mais, pressupondo necessidade, importância, objetivo, esforço, persistência e a expectativa do encontro (Lc.15.4,8). Existe ainda a intensidade da busca: “Buscar-me-eis e me achareis, quando me buscardes de todo o vosso coração” (Jr.29.13).  Quem busca ora, jejua, levanta pelas madrugadas, renuncia o pecado, lê a bíblia, frequenta os cultos, pede perdão, ora no templo, no monte, em casa, insiste e persiste até obter a resposta.

Orar é imprescindível, mas existem muitas outras coisas que precisamos fazer. Se a oração bastasse, Jesus não diria “Ide e pregai o evangelho a toda criatura” (Mc.16.15).

A oração não é um fim em si mesma, mas visa respostas e resultados mediante as ações divinas em nosso favor. Orações não são palavras mágicas. Sua eficácia não está no uso das palavras corretas (embora devamos evitar as erradas), mas na qualidade do nosso relacionamento com Deus.  É importante falar com o Senhor, mas Caim também falou e nem por isso foi perdoado e salvo. Afinal, ele não pediu perdão. Orou errado (Gn.4.13-14).

A qualidade da oração não está na quantidade, nas repetições, nos gritos, nas palavras bonitas, em se fazer um discurso ou relatório para Deus, trazendo explicações, como se ele precisasse delas.

É importante saber que a eficácia da oração tem limites. A oração do justo pode muito (Tg.5.16), mas não pode tudo. Devemos orar, mas algumas coisas não se resolvem pela oração. Precisamos agir, quando for o caso e estiver ao nosso alcance. Deus não costuma fazer o que é da nossa responsabilidade.

“Então disse o Senhor a Moisés: Por que clamas a mim? Dize aos filhos de Israel que marchem” (Ex.14.15).

A oração em favor de outra pessoa chama-se intercessão, mas não devemos descansar nessa possibilidade como se pudéssemos terceirizar nosso relacionamento com Deus.
Jó demonstrou grande zelo oferecendo ao Senhor o sacrifício em favor dos filhos, mas Satanás veio e os matou (Jó 1.5,18,19). O que deduzimos disso? Os filhos de Jó não eram filhos de Deus e não foram preservados pela intercessão paterna.

Quando a mulher está grávida, ela “come por dois”, como se costuma dizer, mas, depois do nascimento, o filho tem que se alimentar, ainda que seja auxiliado nos primeiros meses. Assim acontece no crescimento espiritual. Eu não posso comer, beber, dormir, respirar ou tomar remédio por você. Assim, todo cristão precisa e deve ler a bíblia, orar, etc.
Jesus orava pelos discípulos (João 17), mas um dia, ele lhes disse: “Vós orareis...” (Mt.6.9). A intercessão de Cristo e do Espírito Santo são fundamentais (Is.53.12; Heb.7.25; Rm.8.26), mas não substituem nossas próprias orações. O advogado fala em defesa do réu, mas a confissão é pessoal (1Jo.2.1; 1Jo.1.9). 

Precisamos saber que algumas orações, por melhores que sejam, podem ser inúteis em virtude da liberdade de escolha que as pessoas têm, por exemplo, no que diz respeito ao casamento e à conversão.
Minha oração pode não evitar o pecado de outra pessoa nem garantirá sua salvação, mas pode ajudar a evitar o meu próprio pecado. Jesus disse que os escândalos viriam. Não adianta orar contra eles. O que posso fazer é cuidar para que eu mesmo não os provoque.

Outra questão importante é lembrar que o plano de Deus é superior. Jesus orou, dizendo:

“Meu Pai, se possível, afasta de mim este cálice; todavia, não seja como eu quero, mas como tu queres” (Mt.26.39).

O cálice não foi afastado. Jesus mostrou que podemos apresentar nossas angústias e desejos ao Pai. Você não está impedido de pedir o que quiser, mas não significa que será sempre atendido.
Os propósitos de Deus não podem ser impedidos, a não ser naqueles casos em que ele mesmo deixou a possibilidade de mudança pelo arrependimento, como ocorreu em Nínive.
Nenhuma oração impedirá o Apocalipse, nem converterá o diabo nem mudará o passado. Depois do adultério com Bateseba, Davi orou muito para que o filho não morresse, mas a consequência do pecado não seria aplacada pela oração. Deus não está limitado neste assunto, mas os efeitos dos nossos erros geralmente permanecem.

Portanto, vigie para que o mal não aconteça, quando for de sua competência evitá-lo. A oração não impedirá que colhamos o que foi semeado.
A vigilância é um importante complemento da oração. A falta de vigilância inutiliza as melhores armas.

Muitas orações são rejeitadas por Deus, quando associadas à desobediência (Pv.28:9). A oração do justo é eficaz (Tg.5.16), mas o pecado bloqueia a comunicação com Deus, que somente será recuperada mediante a confissão e o pedido de perdão. Não é assim também entre os homens, quando uma ofensa os separa?

Se alguém não quer se reconciliar com Deus, sua oração torna-se pecado (Salmo 109.7).

“Por isso, quando estendeis as vossas mãos, escondo de vós os meus olhos; e ainda que multipliqueis as vossas orações, não as ouvirei, porque as vossas mãos estão cheias de sangue. Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos de diante dos meus olhos; cessai de fazer o mal” (Is.1.15-16).

Em situações assim, até a intercessão pode ser rejeitada. É o caso da oração proibida:

“Jeremias, não ore por este povo nem faça súplicas ou pedidos em favor dele, nem interceda por ele junto a mim, pois eu não o ouvirei” (Jr.7.16).

“Se alguém vir pecar seu irmão, pecado que não é para morte, orará, e Deus dará a vida àqueles que não pecarem para morte. Há pecado para morte, e por esse não digo que ore” (1João 5.16).

O propósito deste estudo não é nos tirar a motivação para orar, mas, ao contrário, nos estimular a uma vida de oração intensa, correta e eficaz.

“E esta é a confiança que temos nele, que, se pedirmos alguma coisa, segundo a sua vontade, ele nos ouve. E, se sabemos que nos ouve em tudo o que pedimos, sabemos que alcançamos as petições que lhe fizemos” (1 João 5.14-15).


Pr. Anísio Renato de Andrade