Existe cobertura
espiritual de um líder sobre a igreja ou da igreja sobre os membros? A
bíblia não diz isso. Certamente, existe certo nível de ajuda mútua, como ocorre
na família, mas precisamos compreender os limites deste conceito. Por mais
hábil e ungido que seja um líder, ele não poderá evitar que alguém colha o que
plantou.
Haveria algum tipo
de proteção de um líder sobre os liderados contra as forças de Satanás? Não
exatamente. Eu posso expulsar os demônios de uma pessoa, mas não posso impedir
que eles voltem, pois isto se resolve pelas atitudes e decisões do indivíduo.
Jesus disse que o espírito mau volta. Ele não desiste facilmente. Voltando,
pode encontrar a casa vazia e adornada. Uma casa bonita, ou seja, uma vida
reformada pelo evangelho, pode nos deixar satisfeitos, mas o risco espiritual será
grande, se não nos enchermos da palavra de Deus (Col.3.16) e do seu Espírito
(Ef.5.18; Mt.12.43-45). É a presença do Espírito Santo que impede a entrada dos
espíritos imundos (1Sm.16.14).
Se Paulo temia que
o Diabo enganasse a igreja, isso indica que ele não era a cobertura espiritual
dos coríntios (2Co.11.3), a não ser que consideremos este alerta como
desempenho do seu limitado papel protetor.
No capítulo que
começa falando sobre os pastores e o rebanho, Pedro não se declarou “cobertura
espiritual” da igreja, mas alertou: “Sede sóbrios;
vigiai; porque o diabo, vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão,
buscando a quem possa tragar; Ao qual resisti firmes na fé, sabendo que as
mesmas aflições se cumprem entre os vossos irmãos no mundo” (1Pd.5.8-9). No
rebanho de Deus, os pastores cuidam, mas as ovelhas devem resistir ao leão. Tiago, da mesma
forma, escreveu: “Sujeitai-vos, pois, a Deus, resisti ao Diabo e ele fugirá de
vós” (Tg.4.7).
O que existe é a “armadura
de Deus” (Ef.6.11-18) que são virtudes e atitudes que todo cristão deve ter
para ficar firme contra as astutas ciladas do inimigo. Nenhum guarda-chuva
substitui a armadura. Numa guerra, comandantes e soldados protegem-se uns aos
outros na medida do possível, mas nada substitui o equipamento individual nem
evita o confronto e o risco.
A bíblia ensina
sobre autoridade e submissão e não vamos abrir mão destes princípios, mas o
papel do líder é ajudar o liderado a andar com Deus e não se colocar como uma
espécie de guru e dominador sob o pretexto da proteção.
Se pudermos, figuradamente,
falar sobre cobertura espiritual, que seja o sangue de Jesus sobre nós e não
homens. Alguns líderes ensinam assim: "Se você sair desta congregação, o
Capeta vai te pegar, porque você vai ficar sem cobertura espiritual". Devemos
congregar, mas, se não vivermos em santificação, não tem liderança que nos
livre das garras do mal.
Jó fazia
sacrifícios pelos pecados dos filhos, mas veio Satanás e os matou. A
intercessão existe, mas ela não é algum tipo de blindagem nem garante imunidade,
mesmo porque a oração é dirigida a Deus e não ao Diabo. E se essa súplica for
considerada "cobertura espiritual" não será atribuição exclusiva do
líder, pois a bíblia nos manda orar uns pelos outros, inclusive pelos pastores.
Certamente, todos nós precisamos de uma liderança que nos ajude e ensine, mas
não podemos dar ao líder um status espiritual que a bíblia não lhe atribui.
O assunto da
cobertura é importante no contexto da espiritualidade, mas precisamos tomar
cuidado com as distorções que o mesmo pode sofrer. Voltemos ao princípio, ao
Jardim do Éden. Por que a serpente teve acesso a Eva? Será que Adão falhou em
sua missão de protegê-la? Não. Nem Eva teve essa "brilhante ideia" de
acusar Adão. Ele não era o "sacerdote do lar", mesmo porque isso não
existe. Eva tinha sua própria responsabilidade espiritual e deveria ter
resistido à tentação.
Depois do pecado, o
casal viu que estava nu. O homem sentiu-se exposto, desprotegido, vulnerável e
envergonhado. Surgiu então a necessidade de uma cobertura. Coseram folhas de
figueira e fizeram para si aventais. Depois, o próprio Deus lhes ofereceu uma
proteção mais adequada: roupas de pele, que podemos comparar à cobertura
espiritual que encontramos no Cordeiro de Deus. Adão jamais serviria como
cobertura espiritual para Eva. Ele não poderia ser o salvador da sua família,
pois somente a “semente da mulher” poderia esmagar a cabeça da serpente.
“Rejeitemos, pois,
as obras das trevas, e vistamo-nos das armas da luz. Andemos honestamente, como
de dia; não em glutonarias, nem em bebedeiras, nem em desonestidades, nem em
dissoluções, nem em contendas e inveja. Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo,
e não tenhais cuidado da carne em suas concupiscências” (Rm.13.12-14).
A humanidade sente
os efeitos do pecado, inclusive a vergonha que ele traz, e procura coberturas
para si. São máscaras, disfarces que não cobrem o pecado, mas encobrem
parcialmente. Como se diz, “é tentar tapar o sol com a peneira”.
“O que encobre as
suas transgressões nunca prosperará, mas o que as confessa e deixa, alcançará
misericórdia” (Pv.28.13).
“Bem-aventurado aquele cuja transgressão é
perdoada, e cujo pecado é coberto” (Sal.32.1).
Outra situação que
nos lembra a cobertura está em Êxodo 12. Havia uma terrível ameaça sobre o
Egito: o anjo da morte mataria os primogênitos na noite do dia 14 de abibe. Os
israelitas, porém, seriam protegidos pelo sangue do cordeiro passado sobre a
porta. Ninguém poderia sair de casa naquela noite, mas a casa seria a
“cobertura espiritual”? Não. Nem a casa, nem as paredes, nem a porta, nem o
dono da casa, o pai de família, nem Moisés, nada disso. Os egípcios também possuíam
casas. O que eles não tinham era o sangue do cordeiro.
Não posso negar que
qualquer telhado seja uma cobertura, mas, ainda que fosse uma laje, não tomaria
o lugar do sangue nem teria eficácia contra o anjo da morte. Creio que este
ponto nos dá a visão equilibrada sobre o papel do líder.
No deserto, Israel
foi coberto por uma nuvem que, à noite, se transformava numa coluna de fogo.
Contudo, o pecado fez com que milhares deles fossem exterminados pelo
destruidor (1Co.10.1-10).
Se Moisés voltasse
ao mundo hoje, seria mais valorizado do que o Papa, mas ele nunca foi a
cobertura de Israel. Ninguém pode tomar para si a honra do Cordeiro de Deus.
Ele é a nossa cobertura espiritual.
Certamente, o papel
de Moisés foi fundamental no sentido de ensinar a Israel como se refugiar em
Deus. Este é o papel dos líderes da igreja hoje também.
O salmista declarou
ao Senhor: "Tu és o lugar em que me escondo; tu me preservas da angústia;
tu me cinges de alegres cantos de livramento" (Salmo 32.7).
"Deus é o
nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente na angústia" (Salmo 46.1).
"Aquele que
habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Onipotente
descansará"(Salmo 91.1).
"Mil cairão ao
teu lado, dez mil à tua direita, mas tu não serás atingido" (Salmo 91.7).
"O Senhor é
quem te guarda... Guardará a tua alma. Guardará a tua entrada e a tua saída,
desde agora e para sempre" (Salmo 121).
Igreja não é
seguradora para nos oferecer cobertura.
É tempo de
desaprender o que a bíblia não diz.
Pr. Anísio Renato
de Andrade