No jardim do
Éden, Deus falava diretamente com Adão e Eva (Gn.2 e 3). O pecado deu início a
um processo de afastamento entre o homem e Deus. Ele falou também com Caim,
antes e depois da morte de Abel (Gn.4).
(Se Caim estivesse aqui hoje, talvez seria muito valorizado, pois Deus
falou com ele). Dali em diante, a
comunicação de Deus com os homens foi se tornando cada vez mais distante,
indireta e rara. A humanidade se multiplicou, mas o Senhor falava com poucas
pessoas, como Noé, Abraão, Isaque e Jacó.
Em muitas
situações, ao invés de falar com as pessoas, Deus lhes enviava um anjo, como
aconteceu com Abraão e Ló: comunicação indireta.
Depois,
tornaram-se frequentes as mensagens através de sonhos. A bíblia não diz que José do Egito ouviu a
voz de Deus alguma vez, mas a mensagem lhe chegou através de sonhos (Gn.37). Da
mesma forma Deus se comunicou com Abimeleque (Gn.20.6), com Faraó (Gn.41) e seus servos: o copeiro e o padeiro (Gn.40).
Nesse
contexto da comunicação indireta de Deus com o homem é que surge a necessidade
do ministério profético como um porta-voz.
O primeiro profeta “registrado” na bíblia foi Enoque (Jd.14). O segundo
foi Abraão (Gn.20.7). Deus declarou que
ele era profeta. Não foi uma auto-proclamação, mas uma vocação divina.
O terceiro
profeta declarado pela bíblia é Moisés (Dt.34.10). Nessa época, os profetas
eram raros.
A lei de
Moisés definiu em detalhes o funcionamento do ministério dos levitas e
sacerdotes (Num.3; Num.4; Ex.28), mas não fez o mesmo com o ministério
profético. Por isso, dizemos que o profeta é um ministério não regulamentado,
“fora do script”. A lei não determinava
sua linhagem, idade, atividades, roupas
ou rituais. O profeta não dependia de
vínculo genealógico, eleição ou direito adquirido. Sua manifestação dependia
inteiramente de Deus. Por isso, encontramos até um profeta gentio no antigo
testamento: Balaão.
Levitas e
sacerdotes estavam em constante atividade em Israel, podendo ser encontrados em
determinados lugares e horários. Os profetas eram incertos. Em determinadas épocas, não havia profeta em
atividade. O profeta era “previsto em
lei”, porém imprevisível, pois ninguém sabia quem ele seria, nem quando ou onde
apareceria. Como disse um aluno: o
profeta era “uma carta na manga de Deus” para certas situações.
A respeito
dos profetas, Moisés só determinou uma coisa: a sentença de morte para aqueles
cujas profecias não se cumprissem (Dt.13.1-5; 18.20). Embora este mandamento
não esteja em vigor hoje, temos nele um forte ensinamento sobre a seriedade da
profecia. Não podemos falar em nome de
Deus sem que ele nos tenha mandado. Não podemos matar os falsos profetas, mas
nada impede que Deus lhes mate.
O profeta
existe para o tempo da crise. Nos momentos de maior degradação pecaminosa em
Israel, eles se manifestavam. Por isso, sua aparição não era bem vista. Via de
regra, o profeta é um sinal de que as coisas não estão bem. Eles não vinham para elogiar ou agradar, mas
para repreender. Por isso, não eram
queridos, amados, honrados, exaltados ou premiados. Eram temidos (ISm.16.4), rejeitados, desprezados, odiados,
perseguidos e mortos (Mt.5.12; 23.29-35). Por esta causa, alguns vocacionados
não queriam ser profetas (Jr.1.5-6; Am.7.14).
Quem fica
feliz com a chegada do cobrador, do interventor ou do oficial de justiça?
Ninguém. Assim também ocorria com a chegada do mensageiro de Deus. Os profetas do Antigo Testamento tinham a
missão de cobrar o cumprimento da lei de Moisés.
Eles
incomodavam muita gente. A autoridade que Deus lhes conferia era tanta que
repreendiam até os reis. Natã repreendeu Davi. Elias repreendeu Acabe. Muito
tempo depois, João Batista repreendeu Herodes.
Se fosse hoje, as pessoas lhes diriam: “Você está me julgando”, mas a palavra
do profeta não é julgamento, senão um aviso para que a pessoa não seja
condenada por Deus.
Depois da
morte de Moisés, o povo de Israel viveu um período de poucas profecias. Nos dias do sacerdote Eli, a palavra do
Senhor era muito rara (ISm.3.1). Então, foi
levantado o profeta Samuel. Naquele tempo começava um movimento chamado
“profetismo”. Surgiram escolas de
profetas e esse ministério floresceu em Israel, como sinal de que as coisas não
iam bem.
Vieram Natã,
Gade, Elias, Eliseu e muitos outros.
Surgiu então, no contexto da monarquia, a figura do profeta
profissional, um funcionário da corte que recebia salário para profetizar o que
o rei queria ouvir. Por exemplo, os ministros de Estado têm sempre uma palavra
otimista em relação à economia, mas os analistas independentes falam a verdade
claramente. Assim acontecia no caso dos profetas. Elias, por exemplo, era bem
diferente dos profetas de Baal, que viviam para agradar Jezabel. Assim, enquanto centenas de falsos profetas
viviam nos palácios, alguns verdadeiros se escondiam nas cavernas. Uma exceção interessante foi Daniel: um
profeta verdadeiro no palácio. Ele era um político honesto.
Além de falar
a mensagem de Deus, alguns profetas escreveram seus oráculos. Algumas vezes, Deus mandou que escrevessem
(Ex.17.14; 34.27; Is.8.1; Jr.30.2; Hab.2.2; Ap.1.11). De outro modo, suas
palavras não chegariam a nós. Vemos, portanto, como é importante escrever a
mensagem que temos a transmitir, pois nós passaremos, mas ela continuará
alcançando vidas. Escrever a profecia era também um ato de ousadia e coragem,
pois ficaria muito mais fácil conferir seu cumprimento e até condenar o profeta
à morte se a sua palavra fosse mentirosa.
O ministério
profético não ficou restrito ao Antigo Testamento. Depois de um longo período sem profecias, aproximadamente 400
anos, apareceu o profeta João Batista. A surpresa foi tão grande que
toda a população de Jerusalém queria vê-lo e ouvi-lo (Mt.3). Embora fosse da família sacerdotal, João
Batista assumiu aquele ministério “fora do script”. Sua roupa era feita de
pelos de camelo, que nem de longe lembrava o linho das túnicas sagradas
(Mc.1.6). Ao invés de comer os pães da proposição, comia gafanhotos e mel
silvestre. Era uma figura chocante,
talvez até ofensiva, pois, de acordo com a lei, o camelo era um animal imundo.
Sua mensagem também não era agradável, pois chamava o povo à confissão
de pecados e ao arrependimento.
Depois, veio
Jesus, que era também profeta (João 4.44). No Novo Testamento temos ainda: a
profetisa Ana (Lc.2.36), o profeta
Ágabo (At.21.10), alguns anônimos
(At.13.1) e, finalmente, João, com a profecia do Apocalipse.
Paulo disse
que Deus colocou na igreja: Apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e
mestres (Ef.4.11). Não há razão para
supormos que o ministério profético tenha acabado. Ele continua em nossos dias, trazendo a mensagem de Deus,
repreendendo os pecadores e anunciando os propósitos do Senhor.
Profeta não é
sinônimo de pregador. Alguém só pode profetizar o que Deus lhe falou. Repetir o
que a bíblia diz não é profetizar. Falar
o que eu quero que aconteça na vida de alguém não é profetizar.
Como
dissemos, a comunicação de Deus com o homem tornou-se muito indireta. Por
exemplo: Deus falou com o anjo, que falou com Daniel, que escreveu a profecia,
que hoje eu leio pra você ouvir. Que
comunicação mais indireta! É válido ouvir a mensagem de Deus assim, mas precisamos de uma comunhão mais próxima com
o Senhor.
O pecado de
Adão iniciou um processo de afastamento entre o homem e Deus. A obra de Cristo
tem o propósito de nos levar no sentido inverso, aproximando-nos do Pai. Por isso, Tiago escreveu: “Chegai-vos a Deus
e ele se chegará a vós” (Tg.4).
Qual é o
caminho? A busca da intimidade com Deus.
Abraão foi chamado profeta porque era amigo de Deus (Is.41.8; Tg.2.23;
Gn.18.17). Contamos nossos segredos a
qualquer pessoa? Não, mas apenas aos amigos íntimos. Deus também faz assim
(Am.3.7; Sal.25.14).
Precisamos
buscar a intimidade com Deus. Jesus disse que os fariseus gostavam de orar nas
ruas, praças e sinagogas. Então, ele ensinou os discípulos a orarem onde só
Deus pudesse vê-los (Mt.6). Esta é uma forma de buscar intimidade com Deus.
Este é o caminho do ministério profético.
O apóstolo
João era o discípulo mais próximo de Jesus.
Até no momento da crucificação, lá estava ele. Resultado: recebeu as
maiores revelações registradas na bíblia, o Apocalipse.
Busquemos ao
Senhor, pois ele quer nos usar como profetas nesta geração.
Pr. Anísio
Renato de Andrade.
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