Depois do cativeiro, muitos judeus continuaram morando fora de Canaã.
Entre os que ficaram na Pérsia, havia uma mulher chamada Ester, cuja
história encontramos no livro bíblico que leva o seu nome.
A aceitação daquele relato entre os livros sagrados enfrentou
grande resistência pelo fato de não encontrarmos ali nenhuma menção
ao nome de Deus. Contudo, sua providência é notória no decorrer da
narrativa. Em muitos momentos das nossas vidas, também podemos ser
levados a perguntar “onde está Deus”? Entretanto, estejamos
certos de que ele está sempre presente e nada escapa à sua
soberania.
A história de Ester pode ser dividida em três períodos distintos:
No primeiro, temos a vida difícil de uma menina pobre chamada
Hadassa (este era o seu nome hebraico, cujo significado é “murta”,
uma espécie de planta). Ela era órfã de estrangeiros, criada pelo
tio Mardoqueu, parte de um povo discriminado e perseguido (Et.2.5-7).
No segundo momento, Hadassa tornou-se uma linda moça que, depois de
participar de um concurso promovido pelo rei Assuero, veio a ser
rainha da Pérsia. Certamente, foi uma mudança espetacular em sua
vida. Seu nome foi mudado para Ester, que significa “estrela”.
Todas as suas dificuldades pessoais foram superadas. Agora, ela
poderia possuir tudo o que desejasse, comer as melhores comidas,
vestir as melhores roupas e frequentar os melhores lugares. Aliás,
sua casa era esse lugar: o palácio (Et.2.16-17).
No terceiro tempo, Ester se coloca como intercessora do seu povo,
contribuindo de modo decisivo para o livramento de milhares de judeus
que estavam condenados à morte (Et.7.1-6).
Em outras palavras, podemos dizer que Ester passou por três níveis
distintos em sua vida, como pode ocorrer também conosco, guardadas
as proporções e diferenças específicas a cada caso.
O nível 1 é da tribulação, das privações e prováveis
questionamentos. É o tempo dos “por quês”. Por que eu sou
assim? Por que minha família é assim? Por que Deus permitiu a morte
dos meus pais? Seja qual for a situação e mesmo sem respostas às
suas perguntas, continue fiel a Deus.
O nível 2, caracterizado por vitórias de ordem natural, parece a
glória, e corremos o risco de ficarmos muito satisfeitos, pensando
que isto seja tudo o que Deus tem para nós. Em termos materiais, é
o tempo das realizações e suprimento das necessidades. Para alguns,
pode significar a conquista do emprego, da empresa, da casa própria
e do carro novo. São experiências de superação, mas não se
trata da essência dos propósitos divinos, pois os ímpios também
podem alcançar este patamar. O nível 2 é o fim da miséria e da
humilhação, mas traz novos desafios e tentações. Êxito,
prosperidade e eventual riqueza trazem novos riscos. Ester começou a
presenciar as tramas políticas ligadas ao poder.
O nível 3 significa assumir grande risco, deixar o egoísmo e sair
da zona de conforto para lutar a favor do próximo. Ester era crente,
cria no verdadeiro Deus, era uma pessoa abençoada, mas o Senhor
tinha muito mais para a sua vida.
Entre um nível e outro existem barreiras e dificuldades (embora a
vida não seja um game). Para passar da primeira fase para a segunda,
Ester precisou enfrentar um concurso público, concorrendo com muitas
candidatas. Certamente, Deus a abençoou e lhe deu a vitória, mas
isso não seria suficiente para termos sua história na bíblia.
Do segundo para o terceiro nível, o desafio seria enorme. Mardoqueu
levou ao conhecimento de Ester que havia uma sentença de morte sobre
o povo judeu. Sabendo de tal ameaça, a rainha não ficou
indiferente, mas tomou uma atitude. Mesmo sendo esposa do rei, Ester
não tinha poder para livrar o seu povo. Ela precisava falar com o
rei, mas não poderia entrar em sua presença, a não ser que fosse
chamada. Se esperasse, poderia ser tarde demais. Se entrasse na sala
do trono sem ser convocada, poderia ser condenada à morte. Então,
Ester entrou em luta espiritual, com oração e jejum. Antes de falar
ao rei, Ester falou com Deus, conforme a instrução enviada a
Mardoqueu:
“Vai,
ajunta a todos os judeus que se acharem em Susã, e jejuai por mim, e
não comais nem bebais por três dias, nem de dia nem de noite, e eu
e as minhas servas também assim jejuaremos. E assim irei ter com o
rei, ainda que não seja segundo a lei; e se perecer, pereci”
(Et.4.16).
Conforme
lemos na sequência do seu livro, Ester entrou na presença do rei
(Et.5.1), iniciando uma série de atos que levaram, não só à
salvação do seu povo, mas também à execução do inimigo de
Israel: Hamã.
Antes
de agir no âmbito natural, Ester atuou no mundo espiritual. Sem
isso, sua ousadia seria estupidez. Ester
não ficou acomodada ao luxo e conforto do palácio, mas colocou sua
vida em risco para salvar milhares de pessoas. Entretanto, sua ação
foi precedida por jejum e oração, mostrando que para alcançarmos
um nível superior e espiritualmente significativo em nossas vidas,
precisamos tomar atitudes importantes que envolvam uma busca intensa
pela face do Senhor.
Assim, a trajetória de Ester não foi apenas de superação pessoal,
mas de grande relevância para o seu povo, salvando milhares de
judeus e tornando-se figura de destaque na história de Israel.
Pr. Anísio Renato de Andrade